Nos últimos tempos temos sido confrontados com inúmeras notícias de ciberataques e da consequente violação da vida privada de pessoas, instituições e empresas. Vivemos com a preocupante sensação de que somos constantemente olhados e controlados para fins que nos escapam e nos assustam. Num tempo em que a liberdade se afirmou como um valor civilizacional estruturante e inalienável, estamos cada vez mais presos em prisões que desconhecemos e vigiados por interesses, não raras vezes criminosos, que manipulam e põem em causa a nossa privacidade e dignidade.
Há muita gente a espiar-nos, a olhar para nós, e quase ninguém a olhar por nós. É pena, é triste e assustador, mas não é de estranhar… Aos poucos, afastámos Deus da nossa vida e da nossa sociedade. Esquecemo-nos, ou quisemos esquecer, que Deus é quem olha por todos e nos desafia a olhar uns pelos outros: “O Senhor não vê como o homem: o homem vê a aparência, mas o Senhor vê o coração” (1 Samuel 16,7). Fomos deixando de olhar Deus e deixámos de ser capazes de cuidar uns dos outros. Tornamo-nos uma sociedade voyeurista, mais interessada em bisbilhotar o outro do que em olhar o seu coração. Uma sociedade que se deleita a observar em frente a um monitor, nas páginas dum jornal ou duma revista, a vida alheia, a desgraça e a indignidade da alma humana.
Por tudo isto, não é de admirar que nos sintamos cada vez mais controlados, menos livres, e que a vontade de olhar o outro se transforme num ato criminoso. Talvez seja a altura de voltarmos a olhar para Deus, para reaprendermos a olhar o coração dos homens.
Padre Paulo Malícia