Em março de 2020 fomos todos para casa sem saber o que esperar. Pouco tempo depois, começámos a sentir-nos presos. Deixámos de sentir o vento na cara, o sol a queimar, o barulho do trânsito e as crianças a correr. Ficámos sem o beijo dos avós, os abraços dos tios e os empurrões dos primos. O teletrabalho confrontou-nos com o desafio de conciliar a esfera profissional com a familiar. As reuniões online foram inúmeras e as famílias começaram a ver-se via WhatsApp com um misto de alegria e tristeza. Com pequenas estratégias fomos diminuindo o aperto. Muitos iniciaram exercício físico ou pesquisaram novas dietas. Outros experimentaram cozinhados que nunca tinham feito ou plantaram ervas aromáticas.
Num dos dias melancólicos da pandemia ia a vaguear pela cozinha, olhei para a cesta dos legumes e reparei que estava uma batata doce a germinar. Lembrei-me que um dos ensinamentos da minha avó foi que é possível gerar uma outra batata se colocarmos a parte grelada na terra. Aceitei o desafio interno, mesmo não tendo um historial positivo na sobrevivência de plantas. Uma camada de terra, a batata e outra camada de terra.
Água e assim fiz. No final, pendurei o vaso e pensei que devia dar-lhe um nome. Como não estava particularmente inspirada peguei numa placa e escrevi covid-19.
Os dias passaram com a sensação de serem todos iguais… levantar, trabalhar atrás de uma câmara, dormir e voltar ao início. Vivi o que todos vivemos, um ciclo sem interações, sem azafama, sem pressa… e sem emoção. Umas vezes pairava a sensação de “vai ficar tudo bem”, noutras apenas mergulhava na possibilidade disto poder não acontecer. Um dia estava sentada à secretária e parei por segundos para pensar. Sou daquelas pessoas que pára no tempo e olha para cima com um olhar vazio, mas desta vez o meu olhar desviou-se para a janela. Reparei que um ramo subtil com folhas verdes saía do vaso pendurado. Petrifiquei. Senti o meu organismo a encher… uma energia estranha percorreu-me. Arrepiei-me e os meus olhos arregalaram. Eu não podia acreditar.
A planta nasceu! Percebi que aquilo que percorreu o meu corpo foi esperança, fé e vida.
A planta covid revela que há fenómenos que não precisam de ser explicados através de palavras e que não podem ser controlados. Só podem ser acolhidos e sentidos. Sejamos de uma cultura ou de outra, e seja qual for a nossa religião, a verdade é que parece existir algo que nos transcende, que conduz a que os acontecimentos se encadeiem imperfeitamente uns nos outros e dêem um sentido especial à vida.
Chegados a outubro de 2021, é-nos exigido regressar ao trabalho e lidar com adaptações, reaproximações e desafios acrescidos. É tempo de visitarmos os nossos familiares, de acarinharmos os nossos idosos, e de passarmos tempo a divertimo-nos, com a consciência de que teremos de ser mais pacientes e compreensivos, uma vez que esta nova realidade é para todos.
Verónica Isabel Santos
Psicóloga do GAP CPE